14 de fevereiro de 2008

O Canudo

Thiago Kalu

Que venham os males.
Tornar-se-ão amuletos.
Na minha doce tortura dos últimos dias,
Os versos emergem com a beleza dos vales
E, nos meus olhos, qualquer pranto vira soneto.

Os pães se multiplicam na dor
E as dúvidas travam uma guerra mesquinha
Entre o orgulho e o amor, entre o trigo e a farinha.
Pelo mais puro milagre da química.

Ando pouco faminto e sem sonhos noturnos.
Qualquer calmante me apetece mais que a idéia de outro beijo.
Qualquer estimulante me seduz mais que outro cheiro.
Qualquer dia me alegra mais que o agora.
E, quando os outros dias vierem, nada de cócegas, nada de rimas.

Se o mundo é justo?
Pergunte às mães dos juízes de futebol.

Meu filho morreu sem que eu me tornasse pai.
Minhas canções mais belas terão de ser traduzidas.
O Português é cruel porque penso em Português.
Meu futuro depende do perdão e da pertinência dos instantes.
Talvez eu ande pelas praças, recitando poemas amargos
E receba pedradas dos estudantes.
Talvez uma moça cega me ame.
Talvez a esperança muda me chame e me obrigue a lutar.

Há quem pense que o amor é reciclável,
Descartável como o canudo furado.
Não, não, não,
O coração não é inflável.
Todo poeta sabe disso,
E todos podem ser poetas,
Por mais que o sejam calados.