22 de dezembro de 2014

Cada Um Com Sua Quimera

Chego ao restaurante
para me restaurar
da fome.

Restaurado saio
e agradeço ao funcionário
que fez a firma funcionar.

Cada qual com sua função.
Cada ação com sua palavra.
Cada um com sua quimera.

Eis a principal razão
daquilo que era
Primeiro-Verão
se chamar Prima-Vera.

20 de dezembro de 2014

Lua Vermelha

A sombra da Terra
deitava na brancura da Lua
e fatiava sua redondeza
em formatos raros.

Nem cheia, nem nova, nem minguante, nem crescente.
Eram geometrias mutantes
que duravam minutos,
enquanto estrelas despertavam aos montes.

O Mar
trepidava,

o Amor
triplicava

e o Mar trepidava o Amor em tríplice.


Era noite de eclipse. 

18 de dezembro de 2014

Livre de Sobrenomes

Lá ia Laís
tranquila e feliz
voltar ao seu lar.

Aliás
pouco sei de Laís
além do que ela
levava na mala.

Três biquínis finos
Duas cangas coloridas
Saias leves e miúdas
Blusas claras e colares
Dois livros de Saramago
Botinas de trilha e sandálias de praia
Calcinhas bordadas
Nenhum sutiã
Um caderno de rabiscos
Hidratante para pele
Um calendário de Luas
Óculos escuros
Protetor solar
Cremes, xampus
e outros itens de asseio.

Lá ia Laís...
e foi
mais depressa do que veio.

Livre de sobrenomes,
levava o verão em suas tranças

e agora não sei onde lhe procurar.

16 de dezembro de 2014

Rasa Clareza

A Lua minguante
enquanto nascente
é uma risada dourada,

é uma fatia de melão cortada
lumiada
e gigante,

é uma rede pendurada
na gravidade da noite
estendida no horizonte,

onde sua beleza
pousa e paira pura
com rara finura
e densa fineza.

14 de dezembro de 2014

O anel que tu me deste

Fui olhar o vento
leste de perto

e quase que não volto.

Fui ter um papo particular.
Fui sentir suas partículas.
Fui notar suas partes,
Sua presença sublime.

Fui olhar o vento leste.

Fui na fé.
Fui firme.
Fui forte...
Tanto que fui leve
e vi que lá o tempo flui.

onde a terra respira
furiosamente fundo
e já se faz furacão.

Fui ver o vento de perto
e por pouco volto não.

Me cobri de poeira, me vesti de folhagem,
rodei feito criança,
tremi,
mas não temi.

Vi o vento movendo imóveis,
manuseando automóveis,
desenraizando árvores seculares
com seus braços ventígenos
e sua coreografia espalhafatosa e voraz.

Sobrevivi,
mas voltei transtornado,
metade sujeito, metade objeto,
sangue nas ventas, roupas rasgadas...

E o anel que tu me deste,
eu perdi no vento leste.

10 de dezembro de 2014

7 de dezembro de 2014

Caminhar

Tudo que sei
aprendi com a rua.

Carinho em cachorro livre,
o temperamento das cartas,
a razão das marés,
a facilidade dos edifícios subirem mil pés...

- Caminhando que vi.

Descobri que somos capazes de tudo,
que a diferença da demência pra ciência
descansa
no uso que se dá ao tempo.   

Percebi que pássaros pousam nos fios
e não se incomodam com as meninas se beijando no frio
com seus vibrosos batons vermelhos,
nem com os rapazes se amassando
com doçura e vigor.

- Que as barbas se rocem!
- Que as moças se toquem!

Pássaros são
evolução
no assovio
do óbvio.

A cidade não tem muitos ninhos
e o asfalto tem um sabor estranho.

Tudo que sou
entendi com a lua.

Máquinas não fazem chuva.
Não se fabricam cachoeiras,
nem corais, nem cânions.

Nada congela o desejo.
Não tem filtro que retenha
as impurezas do ego.

- É sério,
caminhando que vi.

Por vocação natural,
somos andantes,
mas viramos autozumbis
metalizados e nojentos
e nos comemos em cruzamentos
mal sinalizados.

Feito epidemia
espalhamos ferrugens,
mergulhamos em rótulos,
vivemos em rótulas...

Motoqueiros barulhentos
são seres violentos
e quem trabalha no trânsito
mal sabe que segue em transe
numa ânsia mortal
que atrapalha
e agoniza.

- A hora da brisa,
foi andando que vi.

Tomei sol na moleira,
conversei com drogados,
visitei museus,
questionei taxistas
em trajetos longevos.

Aprendi a admirar a concentração de um malabarista,
conheci pastores honestos,
pisei em chão maranhoso

e a cidade não tem muitos ninhos.

O capitólio polui pensamentos,
dificulta a fluidez das vivências,
aterroriza o orgânico,
necessarializa o banal,

fere,
interfere tanto
que até o riso
aterrissa
em emoções rasas.

Tudo que vou,
é de um corpo que sua.

Decoro cada esquina.
Canto pelas alamedas.

Adoro cachorro livre.

13 de novembro de 2014

Manoel foi pro céu

uma miudice ao poeta Manoel de Barros

De Barros, pedras e insignificâncias,
viu que o mais valioso da vida 
se mede no cuspe à distância.

Saliva livre e delicada,
Manoel se foi...

...as miudezas do mundo emudeceram.

E por isso meus olhos sussurram umidades
num leve pesar de embaraço e apreço.

Manoel se foi.
Virou foz.

Hoje,
caracóis serão apenas caracóis...

...e as palavras vão dormir despenteadas.

29 de outubro de 2014

20 de outubro de 2014

13 de outubro de 2014

Caixa de Entrada

A relação entre o verso
e a negação do avesso

é subir
imerso
no saber
imenso

de entender
que eu endereço
para outro endereço

a conversa
que eu começo
e você não vê começo.

9 de outubro de 2014

Sinestesia

Sem poesia
meus olhos sentem
azia.

Sem amor
nenhuma estrela tem
sabor

e o universo se esvazia
de cheiro, chão, cantiga e cor.

3 de outubro de 2014

Cobrança

A quem muito mosca,
o mundo cobra
e não dá sopa.

Pois quem cambaleia
no mundo cobra
engole sapo.

19 de setembro de 2014

Mastigue

Não interessa
o tamanho da pressa

nem importa se a fome
é mais larga que o mundo.

Gostoso mesmo
é respirar fundo
e ter pouca conversa
enquanto se come.

10 de setembro de 2014

Singular

Ali
vulgo lá
no foco da grande angular
nem javali
na jugular
sangrará tanto quanto
qualquer verso de Gullar.

12 de agosto de 2014

Manteiga Derretida

Eu nunca chorei direito.

Amadureço
e desaprendo ainda mais o choro.
Mesmo assim por tudo choro.

Deságuo despedidas.
Gotejo emoções cotidianas.
Chovo saudades ingratas.
Amo em cataratas.

Sou rio em conquistas minúsculas.
Viro orvalho quando falho,
E sigo apenas uma regra:
só engulo lágrima que alegra.

Não por saber que o sabor é mais tenro,
mais ameno,
mais solúvel na saliva.

Acontece que o choro
é matéria viva

e não se deve reciclar tristezas.

24 de julho de 2014

8 de julho de 2014

A Capa das Capas

É bola na TV. É bola no PC. É bola no APP.
É bola na rede. É bola no rádio.
- Cuide do miocárdio!

É bola na área. É bola na veia.
-Joelhada na vértebra é falta feia.
- Mordida no ombro é coisa séria.

É bola no pé. É bola na artéria.
Ebola na Guiné, Ebola na Libéria.
- É posse de bola.
- É tosse de Ebola

Sem chapéus de Neymar. Só Neymar de boné.
O Brasil pode ganhar.
- Bote fé, William Bonner!

8 de março de 2014

Vitamina

A orquestra e a folia,
a natureza e a literatura
as horas, a família,
a luz, a tela e a ternura...

A estrada e a saudade,
a água, a fé, a felicidade,
a razão, a paz, a sorte,
a rede, a cidade, a veracidade,

a terra e a praia e a cama e a piscina...

A vida
é toda
feminina.

19 de fevereiro de 2014

Poesia Venta

A poesia não precisa
nem de assunto nem de rima.
Cada verso é uma linha
que nos puxa para o alto

e a palavra
é um convite
ao voo.

A poesia não precede de nada
que não seja sede ou fome.

Ela não tem lugar


nem hora.

Poesia brota no vago
qual matéria bruta
que é prima da terra
e filha da lua.

Poesia venta...

... e o vento foi feito pra folha.

É o contorno da onda.
É a dança da saia.
É o alimento das pipas.

Poesia venta.

Até Virar Moda

Eu vou colorir seu vestido
com palavras nuas
e estampar o poema mais lindo do dia,

destampar o baú da carne
e ignorar as regras da língua.

Vou passar a língua
no limite da seda
e vou bordar suas curvas
com adjetivos raros.

Vou me dividir,
vou me endividar.

Vou riscar meus últimos centavos.
Vou arriscar a vida

e te retocar até virar moda.