16 de dezembro de 2011

O Poema do Final Rasteiro


Apesar de todo requinte,
tua fuga indecente
estarreceu meu peito de um jeito
que chegou a doer
por um,
dois
ou três minutos.

O tempo foi curto,
mas o sentimento
foi bruto
o suficiente
e nojento
o bastante
pr’eu te esquecer por completo
no instante seguinte
ao final deste verso ofegante, distante, disperso, direto e ausente
[de afeto.


3 de dezembro de 2011

Peixeira de Baiana


Senhores e senhoras,

como posso confiar nas horas
se o olhar dela
atravessa as madrugadas?

Como posso,
senhoras e senhores,
não lembrar as cores
daquelas íris coloridas?

É de apertar a pupila...
É de deixar de cara.
É tesão
- pra duas vidas.


26 de outubro de 2011

Rebarba de um Velho

Na juventude,
fui um jovem de atitude;
hoje, na maturidade,
um idoso sem idade.

Na minha longa trilha,
aprendi que fervilhar
é ferver a ervilha
e que lentilha
não é comida de velho.

Enxerguei mil maravilhas
na sorte do baralho,
nos amores da novela
e na terapia do novelo;

em ter a pia e a navalha,
que desliza e arranca
minha lisa barba branca,
onde a espuma se espalha

e apruma cada falha
encontrada na carranca
repelida pelo espelho.

Após o atrito da toalha
tricotada pela velha,
o franzir de sobrancelha
do meu riso me consola.

Enquanto me olho,
a memória mergulha
- entre tralhas e entulhos -
numa velha redondilha
que escrevi a minha filha:

Sabedoria é saber que a dor doía
E entender que qualquer dia
Quase toda dor se esvai
E a saudade se desvia,
Mesmo quando a chuva cai
Numa triste melodia.

Deus que me valha!
Será que o tempo
armou alguma armadilha
ou será que nem eu mesmo
escutei o meu conselho?

2 de outubro de 2011

Saudade sem rima

O sentimento de cólera
e o sofrimento de véspera,
tudo é humano.

A lei do preço e da pressa
e a divina promessa,
tudo é humano.

O urânio enriquecido,
o crescimento acelerado,
o desespero inesperado,
o coração endurecido,
tudo é normal
para o ser humano.

Estranha mesmo é essa saudade sem rima,
que nem bóia nem afunda,
nem chove nem muda o clima,
e que ainda
faz a hora
parecer um ano.

A Maré Cheia


Em Amaralina,
o Mar é o cantor da madrugada
e, em qualquer lugar, nad’é melhor que amar.


30 de setembro de 2011

Timidez Declarada


Quando danças,
embaraças meus olhares
como um show de malabares
aos olhos de uma criança.

E, se é que a gente cansa
de ficar só na conversa,
eu renego qualquer pressa
que destroce a esperança.

Eu prefiro o risco:
em cada olho que eu pisco

na coragem que me resta,
deixo clara a vontade,
sem perder a liberdade,
sem atrapalhar a festa.

Plenilúnio


A cada Lua dessa,
eu tenho menos pressa
de amanhecer.


30 de maio de 2011

Era Ótica

Do contorno das ancas
À cor do cabelo;
Dos detalhes da fala,
Ao riso de apelo.
Arrepia meu pêlo
E minha boca se cala.

A porta se abre
Num deslizar aquoso,
Orgânico,
Verdadeiro,
Natural do cio
- Escorregadio -,
Inteiro,
Estreito e dinâmico,
Permissivo e amistoso,
Onde tudo cabe.

E num momento mágico
O personagem fálico
Arranca gemidos insanos
Por cima dos panos,
Por baixo dos panos...
E então, apaixonados,
Enrolamos os cursos dos anos
E deitamos os sonhos e planos
De lado.

28 de maio de 2011

O Gosto da Vida

A tua boca me parece um templo
onde perco a noção do tempo,
atando todos os nós da saliva.

Na quentura da tua língua,
mesmo quando a lua míngua,
a noite é leve, longa e viva.

É a boca que xinga,
que come
e que bebe
[que me bebe],
liquid’omem
no mundo moringa.

Ao sentir o gosto da vida
teu rosto engravida
um instante risonho
em que sempre me ponho
numa dose desmedida.

2 de maio de 2011

Cinzas Luminosos

Nos últimos compassos
Dessa nossa relação morrediça,
Eu te peço que não desperdice
O resto de amor que nos sobra
E a sombra de amor que nos resta.

Se ainda houver destroços
De qualquer paixão movediça,
Eu tropeço no vão do que disse
E testo o tempo que dobra
O texto que trago na testa.

Eu te amo

[Nos clarões aguardados
entre os dias mais chuvosos].

Eu te amo

[Em tons mais demorados
que os Cinzas Luminosos].

Eu ainda te amo.

[Em suspiros aliviados
pela leveza de Manoel de Barros].

Eu ainda te amo

[Alheio ao passar e pensar do tempo;
indiferente ao buzinar dos carros].

2 de abril de 2011

Desnaturado

Thiago Kalu

Apesar de tantas ofensivas humanas,

a Natureza ainda se revela sublime.


Basta olhar nos olhos do homem que sobe montanhas,

chegando ao chão

após o cume,

para ver em teu coração

a pureza de uma criança,

apesar da ganância,

da insana existência do crime,

da política que reprime

e de toda e qualquer atitude da raça

que se endoflagela, se auto-desgraça

e, mesmo sabendo que o tempo apenas disfarça,

finge que cuida e que se redime.

14 de março de 2011

Poesia

Thiago Kalu


Se o contrário da poesia livre

Fosse a poesia presa,

Eu riscaria o meu colchão

E dormiria sobre a mesa.


Eu encheria todos os copos da casa

E brindaria solitariamente;

Beijaria todos os corpos do mundo,

Indiscriminadamente.


Cantaria solidões milenares

Em versos burocráticos

De métricas pares

E pregaria milhares de amores práticos

Aos freqüentadores dos bares mórbidos,

Amolecendo seus corações perdidos e sólidos

[desesperançosos

- com tudo e com todos].


Entretanto,

A poesia é passarada sem dono,

Que risca o céu num contra-plano

De pensamento e sentimento.


... para além dos aquários cerebrais


É cardume

Que atravessa qualquer oceano

E quando chega às mãos do humano...

- ora alimento, ora extrume.


.... ela migra por continentes mentais.


Se a poesia tivesse contrário,

Eu viveria contrariado

Quase todo santo dia

E a moça bela do calendário

Decretaria o feriado -

Santo Dia da Poesia.

31 de janeiro de 2011

À Rosa da Praia

Thiago Kalu

Sinto-me estranho;
Inofensivo frente aos teus olhos,
Mas vejo meu riso aumentar de tamanho
- e gosto.

Sinto-me estranho e risonho;
Tentado a dizer o que quero,
Pensando naquilo que ainda não tenho
- teu gosto.

Sinto-me estranho, risonho e perplexo;
Se posso apostar num romance sem nexo
- eu aposto.

Sinto-me estranho, risonho, perplexo e pronto;
Entre toda a paisagem, apetece-me um ponto
- teu rosto.

O Furor da Necessidade

Thiago Kalu

Se eu fosse um pouco mais sonolento,
Não seria sargento
Das forças armadas.

Se eu fosse um tantinho mais displicente
Não seria tenente
Das forças armadas.

Se eu tivesse olhado à frente, analisado
E vencido o furor da necessidade -
Pra falar a verdade –
Eu nem era soldado.

Dispensava todo o risco
E venderia marisco
No litoral da Bahia.

Siri, camarão e guaiamum
(Até enlatado vencido de atum)
E teria alegria.

Mas sou de uma Força Armada -
da Marinha, para ser específico -
E hoje desbravo o pacífico
Com uma saudade danada
De tudo e de nada.