20 de dezembro de 2010

O Grande Legado

Thiago Kalu

Doces, são os dezembros.
Trazem o desfrute do salário extra,
O gasto com a festa
E a necessária renovação dos mitos
Menos castos que seus custos.

Vivas a essa euforia tutti-fruttiana -
Que a publicidade acaricia
Com as mãos do pastor e a face da hiena -
Fazendo nevar no Rio e na Bahia;
Colorindo toda a inconsciência plena
Com pincéis terrenos e telas mundanas.

Relutante -
Ao ver teu gosto posto à prova -,
O parente mais distante
Sente conscientemente
Que o carinho se renova,
Caso inove no presente.

Então, os familiares reunidos
Bailam sobre o teto escolhido
E celebram o nascimento
Do menino das ovelhas.

Se os Parabéns fossem cantados,
Seria, no mínimo, engraçado
Esperar que o vento estivesse atento
E apagasse tantas velas.

Mas não há velas nem palmas;
Nem há fotos com o aniversariante.
Basta-lhe a fé de milhares de almas
E a fé sempre vale
A risada amarela do comerciante.

O grande legado do Cristianismo
São os longos feriados,
Mas quem trabalha nos supermercados
Nem sequer reconhece os domingos.

8 de dezembro de 2010

Apenas Isto

Thiago Kalu

Eu desisto.
Sem covardia nem sinais de fragilidade -
Simplesmente desisto.

Eu insisto:
É sem covardias ou fragilidades -
Mas, sinceramente, eu desisto.

Eu vi minha perseverança estraçalhada
E toda esperança espremida
Em lágrimas secas e duras
Tal qual pedaços de vida
Que apodrecem as laranjas maduras
Colhidas na beira da estrada.

Eu desisto.
Sem arrodeios, sem teorias -
Assim como se diz: Deus quis, eu existo

Eu insisto:
Quaisquer devaneios permitem poesias -
Amanhã, eu acordo feliz e despisto.

Vou entender que a vid’andadura
E deixar essa lágrima apodrecida;
Juntar a esperança colhida
E a perseverança parida e pirada;
Escolher um pedaço da estrada
Espremer e beber a laranja madura.

Não sei se desisto ou insisto
Só sei que resisto.

3 de dezembro de 2010

Inspiração

Thiago Kalu

Teu cheiro não cabe nas melodias que faço,

Nem nos versos que escrevo marcando o compasso.
Ele transborda no tempo e no ar,
Criando raízes no meu respirar.

É um pouco de manga, melão e morango.
É mistura de samba, de salsa e de tango.
É um sonho de valsa do tamanho do mundo.
E, se for mesmo sonho, eu quero um sono profundo.

Mas todo odor ao meu redor,
Aos poucos, retoma seu posto
E teu cheiro permanece em restos,
Na memória do rosto
E nas lembranças dos gestos.

Leva-o em tua carne distante
Com serenidade e alegria,
Que eu me despeço dele na vida
E perfumo a despedida
Num caderno de poesia.

18 de novembro de 2010

Sossegue

Thiago Kalu


Espere,

Que o tempo tempera o amargo da perda.

Aqueça-se só - por uns dias - e tente dormir.

O fato é que a folha no chão nem sempre está seca

E o vento se torna vilão a quem vê-la cair.


O coração é um terreno baldio

E a traição é o primeiro desvio

Para a desconstrução...


Na rescisão de contrato dos planos a dois

Tu sentes no tato que ela se foi

E deixou solidão.


Se for chorar, deságue...


Se conseguir,

Sossegue.


Se ela ligar, atenda.


Se ela sumir,

Entenda.

18 de outubro de 2010

Dois Sorrisos

Thiago Kalu


Entre o amor de Carolina

E o corpo de Fernanda,

Eu me deito na varanda,

Frente ao mar de Amaralina.


Uma gosta de ciranda;

Outra é quase bailarina.

Uma pede, outra manda -

E a noite não termina.


Ali, no meio das duas,

Eu me realizo,

Aliso as pernas das moças

E perco o juízo.

Mas são sempre dois sorrisos...

22 de setembro de 2010

Num belo dia de outono,
Uma flor perdia seu trono,
Morrendo de tanto abandono.

Bromélia brilhante que era,
Estranhava a ausência do zelo,
Luzindo entre os raios solares
Ousados gemidos de apelo.

Deus, despertando de um profundo sono,
Inocentava o desprezo humano,
Alegando que nem era primavera.

Divindade é divindade
E uma flor é uma flor.

Outras dela virão
Unir novamente a flora e o Senhor.
Tutor eterno e relapso de sua criação,
O todo poderoso evita cuidados em vão,
Num belo dia de outono
Ou em qualquer outra estação.

26 de maio de 2010

A Pedra no Centro da História


Naquelas ruas de paralelepípedos,
meninos levavam nos bolsos
um punhado de pedras pesadas.

Eram tempos estúpidos
de cartões postais distorcidos
com seus casarões invadidos
por pedras levadas.

A cada arremesso,
um moleque travesso
soltava uma risada daquelas
e achava bom ver janelas
e portas fechadas
abertas por belas vidraças quebradas.

Sentavam na escadaria da igreja da praça
e olhavam o bonde passar
fazendo fumaça
calmamente por cima dos trilhos.
Encostavam a cabeça
no chão da calçada,
deitavam sem pressa
e dormiam tranquilos
debaixo dos anjos
- meninos de pedra -,
crianças sagradas...

Hoje, nas mesmas ruas pedregosas,
meninos um tanto maiores
carregam consigo pedrinhas menores
e mais perigosas.

Por discrição,
evitam andar em bandos
e, já que não há mais o bonde,
com o cigarro aceso na mão,
fazem, eles mesmos, a própria fumaça
e fingem olhar para os carros.

Já não deitam perto dos anjos –
assustadoras estátuas.
Talvez, a culpa seja da pedra
ou da própria história da pátria.

23 de março de 2010

Jogatina Humana

Thiago Kalu
Na graça do convívio coletivo,
Ainda não aprendi a lidar com as possibilidades,
Com as incertezas que a fartura de opções cria e, por vezes, perpetua.

Dinheiro ou tempo?
Mar ou mato?
Vivo ou morto?
Reto ou torto?
Fora ou dentro?
Borda ou centro?
Noite ou dia?
Vinho ou chá?
Uva, pêra, mangaba ou cajá?
Júlia, Marta, Camila ou Maria?

Já não me basta atender aos instintos,
Gritos pavorosos – desesperados – da carne,
Que soam nas veias
E esbarram em poucas partes do corpo.

Ando visivelmente abalado pelos contra-tempos
Que, insistentemente, vêm na hora errada.
Não que eu planeje nada
Ou faça investimentos.
Tudo - em mim – são pensamentos.

As ilusões são fartas;
As multidões são muitas.
Esconderam as melhores cartas,
Mas todos parecem desatentos:

O colecionador de formigas,
O jogador de futebol da Nigéria,
O dono da boca,
O treinador de focas,
A professora de história baiana,
O construtor da via férrea.

Todas as peças se movem como num jogo de tabuleiro.
Escapo ao risco de ver meus dados
Pelo jogo inteiro
Nas mãos de um só Deus,
Por mais que o manual da jogatina humana
Assegure o mal a toda alma profana
- dos pagãos, dos agnósticos e dos ateus.

Ai, mundo nosso composto de nadas,
Dá-nos, hoje, um conto de fadas
Em que nasçam Gonzagas, Fellinis, Pessoas...