7 de dezembro de 2014

Caminhar

Tudo que sei
aprendi com a rua.

Carinho em cachorro livre,
o temperamento das cartas,
a razão das marés,
a facilidade dos edifícios subirem mil pés...

- Caminhando que vi.

Descobri que somos capazes de tudo,
que a diferença da demência pra ciência
descansa
no uso que se dá ao tempo.   

Percebi que pássaros pousam nos fios
e não se incomodam com as meninas se beijando no frio
com seus vibrosos batons vermelhos,
nem com os rapazes se amassando
com doçura e vigor.

- Que as barbas se rocem!
- Que as moças se toquem!

Pássaros são
evolução
no assovio
do óbvio.

A cidade não tem muitos ninhos
e o asfalto tem um sabor estranho.

Tudo que sou
entendi com a lua.

Máquinas não fazem chuva.
Não se fabricam cachoeiras,
nem corais, nem cânions.

Nada congela o desejo.
Não tem filtro que retenha
as impurezas do ego.

- É sério,
caminhando que vi.

Por vocação natural,
somos andantes,
mas viramos autozumbis
metalizados e nojentos
e nos comemos em cruzamentos
mal sinalizados.

Feito epidemia
espalhamos ferrugens,
mergulhamos em rótulos,
vivemos em rótulas...

Motoqueiros barulhentos
são seres violentos
e quem trabalha no trânsito
mal sabe que segue em transe
numa ânsia mortal
que atrapalha
e agoniza.

- A hora da brisa,
foi andando que vi.

Tomei sol na moleira,
conversei com drogados,
visitei museus,
questionei taxistas
em trajetos longevos.

Aprendi a admirar a concentração de um malabarista,
conheci pastores honestos,
pisei em chão maranhoso

e a cidade não tem muitos ninhos.

O capitólio polui pensamentos,
dificulta a fluidez das vivências,
aterroriza o orgânico,
necessarializa o banal,

fere,
interfere tanto
que até o riso
aterrissa
em emoções rasas.

Tudo que vou,
é de um corpo que sua.

Decoro cada esquina.
Canto pelas alamedas.

Adoro cachorro livre.

3 comentários:

Tetéia disse...

De uma fluidez linda! Das coisas de quem observa e caminha atento. Parabéns, tio! :)

n. disse...

incrível...

Ana Paula disse...

Belíssimo!