27 de outubro de 2006

Fôlego de Dragão

Thiago Kalu



Nesse momento, nada mais importa. Meu cigarro continua aceso e metade do gelo já derreteu no copo de vinho. Em meio à escuridão do quarto, a claridade da tela destaca o percurso da fumaça, causando a impressão de que o gelo derrete cada vez mais rápido. Mas não é o gelo. Pelo menos, não o que se encontra no vinho. Meus olhos prendem-se, oscilada e repetitivamente, em duas letras do teclado. Duas contém uma e, contém, outra. Nada mais a falar. Cheiro de cigarro apagado. Sinceramente, me rendi. Fui surpreendido por uma bala perdida no meio de um deserto. Mais detalhada e verdadeiramente falando, ela se encontra inerte a um palmo de minha testa, dando-me a chance do desvio. Impulsivamente, sempre recuso e ela torna a me dar outra chance. Até agora, teve piedade de mim, mas não sei por quanto tempo. Fumaça na tela. Meu peito queima e, fora do quarto, a chuva cai incessantemente. Queria saber se ela está ouvindo o barulhinho bom que os pingos estão fazendo ao se chocarem com o chão. Teria de saber se ela está acordada. Além disso, eu nunca morei acima do terceiro andar para ter certeza de que dá para ouvir. Cheiro de cigarro apagado. Minha mente sempre foi repleta de incertezas. Sinto-me cada vez mais covarde e minha covardia é pensada, planejada. Isso me agonia. Deixei de acreditar no tempo. Logo ele, que sempre fora meu maior aliado. Competindo com o barulhinho bom dos pingos da chuva, apenas o ruído das teclas e a voz de Chico Buarque que ecoa em meus ouvidos "tira as mãos de mim, bota as mãos em mim...". Riu. Fumaça na tela. Ela na mente. Minha única certeza é que eu nunca tive tanto medo do futuro, mesmo sabendo o que está por vir. E virá. Talvez por minha covardia em achar mais fácil viver sabendo o que acontecerá. Correr para frente é sempre mais fácil, o difícil é correr atrás. Cheiro de cigarro apagado. Como pode ser tão linda? Como posso desejá-la tanto, se mal a conheço? Como posso ser tão fraco? Logo eu que comparava as mulheres às caixas de fósforos. Deve ser por isso que fiquei tão feliz na última vez que vi o sol nascer. Ela é sol. Ela queima, derrete o gelo. Fôlego de Dragão. Fumaça na tela. Em uma noite fria, nada melhor que um gole de vinho quente. Isso mesmo: tinha esquecido dele. Não conseguia parar de pensar no sabor do beijo, na sensação de cada toque, como se eu fosse explodir e na essência de cada olhar no final de tudo. Não consigo mais ser egoísta. Cheiro de cigarro apagado. Não consigo parar de pensar na calmaria que o seu sorriso me traz. E é exatamente com ela, a calma, que preciso lidar. Porque não posso mais escrever. Não caberia; não terminaria; não conseguiria dizer tudo que ela precisa saber e não alcançaria o que ela merece. Será que ela mostrará para alguém? Será que sorrirá? Somente ela sabe disso. Somente ela conseguiu isso. Somente ela poderá rir. Agora, lembrei exatamente do seu sorriso, cada mudança, cada regra, cada um. Fiquei mais calmo e vou conseguir parar de escrever. Preciso parar. Não confio mais no tempo e ele pode vingar-se de mim deixando a bala seguir seu rumo antes que eu dê o gole final no resto de vinho. Chega de fumaça na tela. Vou tentar enxergar a fumaça no escuro do quarto. Tenho até o nascer do sol.

2 comentários:

Anônimo disse...

tava inspirado em kalu?
o texto ta massa!
e ela, quem (ou o que) sera?
abraço cara

Anônimo disse...

lindo tico, lindo! feliz com a sua felicidade atual! bjo ogro querido!tão sentimental esse ogro...rs